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Pequena História do Rastafarismo

28 jun

Entre os séculos XVI e XIX, mais de dez milhões de negros foram capturados na África para que fizessem girar a roda-viva do mercantilismo na América e na Europa. Os europeus consideravam os negros hábeis trabalhadores rurais, tanto pela experiência em lhe dar com a terra quanto pelo vigor físico.

negros porão

Apesar de possuírem alto valor comercial, os negros eram transportados em navios durante semanas e até meses, amontoados em porões úmidos e extremamente quentes, sem ver a luz do dia. Se a comida começava a ficar escassa, os mais fracos e doentes eram arremessados ao mar, e quando o navio finalmente chegava a seu destino, famílias inteiras eram separadas, isso quando a separação não havia ocorrido durante a viagem ou ainda em solo Africano.

Nas lavouras, nas minas e nos canaviais, os escravos africanos eram sujeitados a trabalhar do nascer ao pôr do sol, enriquecendo cada vez mais aqueles que diziam “levar o país nas costas”.

Quando os senhores consideravam que a produção estava baixa, muitos escravos eram torturados para intimidar o conjunto de trabalhadores escravizados, numa tentativa de fazer a produção aumentar a qualquer custo. Mulheres eram estupradas e às vezes até mutiladas por não ceder aos desejos sexuais de seus “sinhozinhos”.

escravidão

Essa rotina de violência e humilhação gerou tristeza e revolta nos corações dos negros durante séculos, ao passo em que líderes começaram a surgir e a buscar a libertação de seu povo. No Brasil, o mais famoso deles foi Zumbi, que ajudou a libertar mais de trinta mil escravos, acolhendo-os no Quilombo de Palmares, onde os negros desfrutavamde uma relativa qualidade de vida, recebiam proteção contra milícias e “capitães do mato” e não sofriam os maus-tratos de antes.

Zumbi nasceu em Palmares, Alagoas, livre, no ano de 1655, mas foi capturado e entregue a um missionário português quando tinha aproximadamente seis anos. Batizado ‘Francisco’, Zumbi recebeu os sacramentos, aprendeu português e latim, e ajudava diariamente na celebração da missa. Apesar destas tentativas de aculturá-lo, Zumbi escapou em 1670 e, com quinze anos, retornou ao seu local de origem. Zumbi se tornou conhecido pela sua destreza e astúcia na luta e já era um estrategista militar respeitável quando chegou aos vinte e poucos anos.

Por volta de 1678, o governador da Capitania de Pernambuco cansado do longo conflito com o Quilombo de Palmares, se aproximou do líder de Palmares, Ganga Zumba, com uma oferta de paz. Foi oferecida a liberdade para todos os escravos fugidos se o quilombo se submetesse à autoridade da Coroa Portuguesa; a proposta foi aceita, mas Zumbi rejeitou a proposta do governador e desafiou a liderança de Ganga Zumba. Prometendo continuar a resistência contra a opressão portuguesa, Zumbi tornou-se o novo líder do quilombo de Palmares.

Após muita luta, morte e sangue do povo negro derramado, a escravidão na América chegou ao fim (o Brasil foi o último a aboli-la, em 13 de maio de 1888). Apesar disso,  os negros permaneceram sem qualquer direito político e econômico, e mesmo como “homens livres”, eram desprezados pela população branca, que possuía o controle das instituições e do capital. Os que conseguiam trabalho eram extremamente explorados, sem qualquer direito trabalhista e com remunerações baixíssimas.

No ano de 1910, Marcus Garvey, um jamaicano que trabalhava como fiscal em plantações de banana na Costa Rica, observou o sofrimento dos negros no campo. Depois de viajar por outros países da América Central, percebeu que essa situação não era um “privilégio” da agricultura, mas de todos os setores da economia, principalmente na indústria. Revoltado, passou a escrever artigos para pequenos jornais denunciando essa exploração. Na Costa Rica, ele publicou o La Nacionale . Na Guatemala, escreveu para o La Prensa. Com seus artigos, Marcus comprou uma briga com a elite branca, e sofria ameaças constantes. Pior do que isso era sofrer com o despreso do próprio povo, que não entendia a força e o poder transformador que uma voz negra na mídia poderia ter.

marcus garvey

 Em 1912, Garvey viajou para Londres e teve contato com negros de todo planeta. Por meio  de relatos dos irmãos, ele constatou que as condições de vida e os problemas enfrentados pelos descendentes de africanos mundo a fora eram muito parecidos.

Regressando para a Jamaica, em 1914, Marcus criou a Universal Negro Improvement Association (Associação Universal para o Progresso Negro), que pregava a igualdade de direitos e deveres entre as etnias em todo o mundo, o retorno dos negros à Mãe África – estabelecendo um país e um governo gerido pelos negros – e um apoio aos irmãos necessitados que permanecessem em outros países.

Reunindo uma quantidade cada vez maior de adeptos, Garvey (que era católico) anunciou na década de 1920 que Deus se faria homem novamente, assim como em Jesus Cristo, e esse homem se tornaria Rei na África, libertando os negros da opressão.

O início da profecia se confirmou quando em 1930, na Etiópia, Ras Tafari Makonnen foi coroado rei. Ras alegava ser descendente do Rei Salomão e, ao assumir a coroa, se auto-denominou Haile Selassie I (“o poder da divina trindade”).

Aqueles que acreditaram que Haile Selassie era filho de Deus passaram a ser denominados rastafaris. Porém, o Rastafarismo, diferentemente do Cristianismo, não é uma religião e sim um estilo de vida. Por adotar a Bíblia como livro sagrado os dois possuem características bem parecidas, como a necessidade de se amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo, não roubar, não cobiçar os bens alheios nem a mulher do próximo, etc.

hail

Durante seu reinado, Selassie realizou uma série de mudanças que beneficiaram os etíopes mais necessitados, como a adoção do voto universal e a abolição da escravatura. Também desenvolveu a ciência e a indústria, trazendo maior prosperidade para aquele país.

Em 1935, quebrando uma série de acordos, a Itália – então governada por Benito Mussolini –  invadiu a Etiópia e depôs o Rei, que permaneceu em exílio na Inglaterra durante seis anos. Durante esse período, Selassie ajudou a organizar e a fortalecer ainda mais o movimento negro, enquanto tentava mobilizar a opinião pública internacional para a causa etíope. Então, no ano de 1941, quando a Itália já havia sido derrotada na 2ª Guerra, o Rei reassumiu seu posto e governou a Etiópia até os anos 70, quando um golpe militar o depôs. Ficou preso até 1975, quando morreu por complicações na próstata.

Os seguidores do Rastafarismo estão espalhados pelo mundo todo. Sua ideologia foi muito difundida através das letras das músicas de Bob Marley, como  “Exodus”, que fala sobre a diáspora dos povos africanos, “Legalize It”, sobre a legalização da maconha, erva sagrada para os rastas, que a utilizam nos momentos de meditação da palavra de Jah (Deus), e “African Unite”, que traduz uma das buscas dos rastamans: a unificação dos pvos africanos.

O Rastafarismo impõe algumas normas aos seus seguidores, como não tatuar a pele nem cortar a própria carne (para colocar um piercing por exemplo), não escovar o cabelo nem corta-lo (por isso é comum que os rastas utilizem os “dreadlocks”, espécie de canudos formados com o próprio cabelo, que simbolizam a união com Jah), não comer carne de porco, caracóis ou peixes sem escamas, pois esses são considerados alimentos impuros.

Aqui no Brasil, um dos maiores difusores da filosofia rasta é a banda carioca Ponto de Equilíbrio.

Nascida nas ruas da comunidade de Vila Isabel, ela é liderada pelo um tanto quanto irreverente vocalista Hélio Bentes. Traz em suas letras um grande apelo social e espiritual, e sua melodia é privilegiada por um roots que leva o reggaero a viajar e refletir.

O Rastafarismo é, acima de tudo, um caminho alternativo ao que a Babilônia (símbolo do pecado e da perdição) nos conduz. Nos mostra como é belo amar todos os irmãos independente de suas características peculiares, não se preocupar com a busca pelo poder e pelo dinheiro, que só nos faz destruir a natureza e tudo de bom que Deus criou única e exclusivamente para nós. Além disso, o Rastafarismo dá esperança e acalento àqueles que hoje sofrem com a solidão, a miséria e a opressão, pois segundo essa doutrina Jah está prestes a voltar para libertar todos que Nele crêem, levando-os para morar junto Dele em Sião, o paraíso.